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No mundo da fantasia infantil
Por Adriana Mabilia
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Desde bem cedo o mundo das fantasias corre paralelo à realidade. Para a criança, soltar a imaginação funciona como uma escola, onde ela aprende a lidar com sensações novas, a compreender sentimentos, a descobrir o seu papel na vida real.
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Brincar de reinventar o que acontece no dia-a-dia é tudo o que as crianças desejam. Nem os adultos, às vezes, se dão conta, mas é brincando desta forma que elas aprendem a viver: desenvolvem o intelecto esbanjando criatividade; trabalham o emocional realizando desejos, ensaiando sensações e experimentando certos traços de agressividade; e se familiarizam com a vida social criando historinhas que se passam na escola, no supermercado, no consultório médico, na rua e mesmo em casa.
Daniela Ruiz, psicóloga em São Paulo, destaca a importância da cumplicidade dos pais com as fantasias infantis: "o pai e a mãe não devem reprimir a imaginação dos filhos. Se a criança tentar envolvê-los em suas histórias vale a pena participar: basta deixar fluir a meninice que há dentro de cada um".
"É nessa hora, também, que os pais devem aproveitar e oferecer pistas sobre a diferença entre o real e o imaginário. Se seu filho fantasia que o copo está voando, por exemplo, você explica a ele que aquele copinho voa porque naquele momento vocês estão brincando, mas que, na realidade, copos não voam.", complementa Daniela.
Se a situação que a criança estiver fantasiando não agradar aos pais, uma boa conversa dará chance ao garoto de esclarecer os motivos que despertaram tal comportamento.
Tudo começa no berço
Se você ainda não notou que a imaginação do seu bebê anda solta, basta ficar atento aos seus movimentos e expressões faciais. Algumas teorias de psicologia infantil afirmam que, desde os primeiros dias de vida, os bebês fantasiam, embora sua atividade mental seja muito primitiva.
Na verdade, os temas com os quais a criança "sonha" mudam de acordo com o seu desenvolvimento e com o universo em que vive. É a partir de estímulos recebidos dos pais, avós, tios e amiguinhos que ela começa a desenvolver a criatividade e a imaginação.
A partir dos onze meses, os sinais das fantasias ficam mais evidentes, pois o pequeno já é capaz de coordenar gestos, engatinhar e segurar objetos que farão parte das suas brincadeiras imaginárias. Observe: quando o bebê pega um copo vazio, normalmente o leva à boca e finge estar bebendo algo; outra cena comum é a menina colocar a mamadeira na boquinha da boneca, como a mãe faz com ela.
Na fase em que começa a ensaiar as primeiras palavras (entre um e dois anos, dependendo do bebê) a criança amplia a capacidade de expressar a sua imaginação por meio da linguagem. Com a participação mais efetiva dos pais, que em geral aplaudem as gracinhas dos pequenos, sentem-se estimulados a soltar o verbo e a continuar brincando.
Ana Claudia de Miranda é mãe de Rafael, hoje com quatro anos. Quando o garoto tinha dois anos, brincava de ser vendedor de doces e salgados sempre que entrava no carro. Ela conta que o menino abria o porta-luvas que tem dois suportes para copos e fingia que num deles estavam os doces e no outro os salgados. E começava a pedir: "compe um doce, compe um salgadinho também". Repetia a brincadeira várias vezes, rindo e se divertindo com a reação dos outros.
Como a imaginação evolui
Até os três anos
Nessa fase as crianças brincam com situações que fazem parte do seu dia-a-dia. Conversar e dar vida aos seres inanimados são rotina, pois eles acreditam que os objetos também pensam, têm sentimentos e desejos: a colher vira um aviãozinho na hora da refeição; a boneca vai para o bercinho "nanar"; o ursinho de pelúcia "passeia" e a comida na panelinha é de verdade.
Isso é tão natural que a própria mãe é quem mais estimula quando diz que "o pezinho não gosta de ficar sujo" ou que "a barriguinha está com fome". A criança começa a ter noção de que os objetos não têm vida própria com o tempo, a experiência e as informações recebidas dos pais.
Dos três aos cinco anos
A partir dos três anos, as fantasias ganham contexto e tomam ares de espetáculo: as crianças montam o cenário com brinquedos que passam a ter a função dos personagens necessários ao desenrolar de suas histórias; elas distribuem papéis e usam situações vividas por outras pessoas para preencher o mundo do faz-de-conta.
Dos seis aos oito anos
Quando completam seis ou sete anos, as fantasias cumprem novas funções: alívio, vingança e desejo de realizações, com a participação de heróis, bandidos e mocinhos. A imaginação flui conforme as situações que a criança está vivendo e o faz-de-conta ganha enredos mais lógicos e coerentes, embora os personagens criados sejam fantásticos, poderosos e até mesmo invencíveis.
Há crianças que fantasiam ser o herói, capaz de destruir as forças do mal e realizar grandes conquistas; outras preferem trazer o herói para perto de si, como se fosse um amigo.
O mundo irreal também ensina
É durante as atividades imaginativas que a criança consegue enfrentar certos problemas e resolver angústias que não saberia sequer explicar verbalmente. Brincando, os pequenos também aprendem a tolerar, a aceitar, a ceder; e até a exigir, o que na vida real nem sempre é tão simples.
Não há regras quando o assunto é comportamento, pois cada criança expressa o que sente de forma particular e de acordo com o momento. As situações e histórias inventadas também dependem do humor, da disposição e da criatividade que ela vive naquele dia.
Repare o comportamento de sua filha quando ela está brincando de casinha: se faz o papel da mãe, dá ordens com voz firme, mas dificilmente grita. Já quando inverte os papéis, torna-se uma "filha" obediente e educada. A brincadeira acontece na mais perfeita calmaria; nem mesmo quando a mamãe de mentirinha manda arrumar a bagunça ela se irrita!
Os meninos, às vezes, também ficam mais compreensivos quando estão fantasiando. Observe como eles respeitam a hierarquia dentro da história: se o cenário fictício é a escola, o aluno obedece ao professor com satisfação e demonstra total interesse em aprender. O mestre, por sua vez, explica a lição com seriedade e delicadeza.
No faz-de-conta, a criança elabora alguns temores: finge ser o médico e a boneca - ou o amiguinho -, o paciente. Ouça o que o minidoutor diz enquanto "aplica" a injeção: "não chore, vai doer só a picadinha e depois passa". Isso funciona como se a criança estivesse se convencendo de que não é preciso ter medo de médico nem de injeções.
Brincar, portanto, é preciso! Esse é o melhor ensaio para o futuro dos pequenos. Muitas vezes a vida lhes pedirá que representem papéis semelhantes aos que estavam habituados a desempenhar na infância, mas com as conseqüências da vida adulta e real.