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Relaxe, gaguejar é normal!

Por Sonia Salama * em 23/11/2000


Não se espante se seu filho começar a tropeçar nas palavras. Esse é um problema comum da infância e faz parte do aprendizado.

O assunto gagueira infantil é importantíssimo, pois atrai a atenção dos adultos para uma das manifestações infantis mais expressivas: a fala. Por meio da linguagem a criança começa a expressar seus pensamentos, suas emoções e - por que não dizer? - seu raciocínio.


É, portanto, natural que os pais fiquem ansiosos: será que aquele "bebê" irá fazer um comentário inconveniente? Ou irá despertar risadas? Todos nós esperamos que, por meio da fala, a criança seja capaz de nos assegurar de que não há nada errado com ela. Que alívio! Agora ela já consegue se expressar!


Fica parcialmente justificado, então, o motivo pelo qual os pais se voltam com tamanha intensidade para os enunciados dos pequenos. No entanto, não se pode deixar de levar em conta que, por volta dos 3 anos de idade, estão ocorrendo as aquisições mais significativas do universo infantil. É o momento em que o processo de socialização adquire contornos mais significativos, é quando a criança começa a experimentar uma relativa independência. É a hora das novas descobertas que se processam em progressão geométrica, o que às vezes dificulta a absorção de tudo ao mesmo tempo. Os pais deixam de ser os tradutores do mundo e a criança começa a fazer suas próprias descobertas.

Falar, andar, correr: tudo ao mesmo tempo!

Devemos considerar, no entanto, que a fala chega a mobilizar um mecanismo bastante complexo do ponto de vista fonoarticulatório, que inclui sincronia dos movimentos respiratórios bem como a coordenação dos diferentes pontos articulatórios numa velocidade surpreendente. Não seria esperado, portanto, que uma criança de aproximadamente 3 anos de idade ainda não estivesse totalmente habilitada para tudo ao mesmo tempo? Não é apenas a fala que exige toda essa complexidade de movimentos e a sincronia. E o andar e o correr? Não é comum encontrarmos crianças que tropeçam e caem?


Tente fazer um paralelo entre os dois tipos de comportamento infantil: o andar e o falar. As hesitações ao falar muitas vezes geram grande ansiedade nos pais, que chegam a rotular os filhos como gagos. Por outro lado, os tropeços e quedas raramente conduzem a indagações do tipo: "Será que ele tem algum problema ortopédico? Será que tem problemas de equilíbrio?".

Ajudando seu filho a se expressar

Outro ponto que necessita ser analisado diz respeito aos aspectos não verbais da comunicação. A conversa entre a criança e o adulto requer um diálogo diferenciado, ou seja: o contato de olho, a posição no espaço entre os dois, a manutenção do foco, a convergência de interesses são alguns dos critérios básicos para que a comunicação seja bem-sucedida. É necessário, também, que estejamos sempre atentos ao conteúdo que ela pretende expressar. Será que as idéias da criança estão apropriadamente catalogadas, integradas e ordenadas quando ela quiser explicar algo? E quando ela precisa expressar algo que a deixou extremamente perturbada, como, por exemplo, a perda de um brinquedo? Algumas crianças abrem mão das explicações e apenas choram. Outras deixam por conta dos adultos a reconstrução dos episódios que as afligem com perguntas do tipo: "Foi o Joãozinho que pegou? Foi depois que a Mariazinha sentou do seu lado?". Atuando como o intermediador dessas situações, preenchendo as lacunas dos relatos infantis e recuperando o histórico do problema, o adulto gera um grande alívio para a criança.

Tensão emocional dificulta o processo da fala

Um dos vários fatores responsáveis pela "gagueira natural" está ligado à tensão emocional. Seja por raiva, medo ou ansiedade, os músculos se contraem e chegam a dificultar todo o processo fonoarticulatório. Por outro lado, quando estamos despreocupados, à vontade, a contratura muscular desaparece, facilitando a harmonia de vários movimentos. Em situações nas quais a criança se sente intimidada, ansiosa e/ou insegura, há uma diminuição do controle sobre a atividade muscular, propiciando o aparecimento da gagueira.


Muitas vezes, os pais não dão a seus filhos a oportunidade de efetuar suas escolhas lexicais ou estruturais. Essas escolhas, que muitas vezes se concretizam sob a forma de repetições ou de hesitações, são encaradas pelos adultos como gagueira. Mesmo que seja difícil, procure ter paciência e não reprima. Nem diga frases como estas: "Respire antes de falar" ou "Pense antes de falar" ou "Fale devagar". Alguns pais aflitos tentam até "negociar" com a criança com coisas do tipo: "Se você falar tudo como um foguete, eu vou com você ao clube". E, é claro, não adianta nada. Agindo dessa forma, os pais estão arranhando a auto-imagem da criança e ela passa a se sentir pouco aceita.

Gagueira não deve significar sofrimento

Considerando-se que a personalidade da criança ainda está em formação e que ela irá se estruturando a partir de experiências (positivas ou negativas), é por meio das respostas que recebe do meio no qual está inserida que passa a perceber que sua gagueira natural é indesejável. Conseqüentemente, começa aí um círculo vicioso perigosíssimo. Para ser bem-aceita, a criança esforça-se em falar muito bem. No entanto, todo esse empenho pode significar uma armadilha, já que o ato de falar não pode ser totalmente controlado, por ser uma atividade natural e espontânea. Determinadas crianças exageram no próprio empenho e correm sérios riscos de gaguejar ainda mais: transformam a gagueira "natural" em gagueira "sofrimento".


A criança com excelente nível lingüístico, cujas opções são potencialmente amplas, pode ter dificuldades para fazer as opções mais adequadas em determinados momentos, gerando um grande número de hesitações. Por outro lado, crianças cujo desenvolvimento lingüístico se encontra abaixo do esperado, com um repertório de palavras muito limitado e pouco traquejo no uso social da linguagem, podem também apresentar grande número de hesitações em função de um leque menor de opções. Por isso mesmo, em ambos os casos as crianças apresentariam, em tese, condições facilitadoras para o surgimento da gagueira "sofrimento" se estivessem expostas a tensões emocionais em seu meio ambiente, com excesso de expectativas da família e a cristalização de uma auto-imagem de mau falante.


Dois idiomas ao mesmo tempo

É preciso, também, levar em conta as crianças bilíngües. Ao contrário do que possa parecer, elas não se tornam mais ou menos suscetíveis a desenvolver a gagueira em função da exposição a dois idiomas diferentes. No entanto, se o aprendizado da segunda língua não for uma conseqüência natural do ambiente no qual ela vive - ou seja, pai e mãe se comunicando com ela em idiomas diferentes - e se seu desempenho na segunda língua passar a ser uma fonte geradora de ansiedade e preocupações, é evidente que estaremos entrando novamente no "círculo vicioso" do sofrimento.


É imprescindível, portanto, contar com a colaboração dos pais e outros adultos na rotina diária da criança. Tenha certeza: a gagueira natural é diferente da gagueira denominada "sofrimento". Deixe a linguagem de seu filho fluir de forma natural! E não se preocupe demais com as eventuais hesitações. Registrar em diários em que circunstâncias a criança estava absolutamente à vontade para se comunicar pode ser um bom começo.


Mostre-se absolutamente receptivo a quaisquer tipos de incursões de seu filho no terreno da comunicação verbal. Eliminar a pressão do tempo, deixando a criança concluir seu raciocínio inicial quando puder, é uma forma de ajuda preciosa.


E um último conselho: aos 3, 4 anos de idade, seu filho tem todo o direito de gaguejar à vontade! Aceitar esse período com tranqüilidade é o caminho mais rápido para eliminá-lo! Afinal, quem de nós, adultos, não chega a gaguejar, nem que seja por uma fração de segundo?

* Sonia Salama é fonoaudióloga bilíngüe (inglês, português), mestre em Lingüística Aplicada, coordenadora da Clínica Potencial http://www.clinicapotencial.com.br/


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