Quinta-feira, 18 de abril de 2024 |
Quando conheceu o homem que se tornaria seu marido, Fernanda S., 36 anos, acreditou ter encontrado o grande amor de sua vida. "Mauro era romântico e atencioso. Nunca brigávamos e, em poucos meses, já pensávamos em nos casar. Só via o Mauro na minha frente, afastei-me das amigas. Nosso namoro foi muito bonito. Viajávamos, saíamos para jantar, dançar... Mas as coisas começaram a mudar. De repente aquele Mauro que conheci se revelou um homem impaciente, egoísta. A compreensão deu lugar à prepotência, ao mau humor. Em pouco tempo as discussões se transformaram em brigas horríveis. Fico me perguntando onde eu errei. Mauro não era nada daquilo que acreditei que fosse", lembra.
A história de Fernanda é mais comum do que se supõe. Embora muita coisa tenha mudado nas últimas décadas, certos aspectos essenciais da vida, como a relação entre os casais, seguem modelos antigos - ainda que ambos se comuniquem com telefones celulares e que sete entre dez crianças sejam filhas de pais separados.
Como provavelmente aconteceu com muitas de nossas mães e avós, num piscar de olhos o namorado se torna o ser perfeito que vai se encaixar em nosso sonho. Isso acontece porque, na adolescência, os jovens idealizam o futuro par. Por ser mais romântica, a mulher insiste mais nisso. Mas ele também sonha constituir uma família. No fundo, ambos têm medo de enfrentar a solidão, a falta de aconchego e fogem dos próprios sentimentos. A garota quer encontrar alguém que a proteja. Então, ao longo dos anos, vai construindo o "homem da sua vida", pendurando nele as qualidades que gostaria que tivesse. Quando vislumbra a possibilidade de uma relação mais duradoura, projeta na pessoa tudo o que imaginou. Ter um par é confortável, elimina o medo da solidão.
Não se trata de despejar a responsabilidade toda sobre os ombros de um dos dois. Acontece que o outro quer seduzir e, a exemplo das relações de trabalho - nas quais o candidato ao emprego elabora um currículo ressaltando apenas as qualidades -, o parceiro mostra suas melhores facetas e omite os defeitos. Você já ouviu um ser apaixonado confessar que é pão-duro ou rabugento para a pessoa que deseja conquistar? Essa atitude reforça ainda mais a imagem idealizada. Homem e mulher jogam e, juntos, produzem o engano.
O verdadeiro conhecimento acontece com o convívio, e então surgem as desavenças. Não há quem não corra o risco de se decepcionar, pelo menos um pouco, com seu par. É até previsível. De certa forma, todo mundo cai na real na vida a dois. Mas, quanto melhor cada um elaborar seus próprios sentimentos e frustrações, menos precisará se pendurar em alguém. E a queda será, naturalmente, muito menos dolorida. O problema se agrava quando existe muita distância entre a realidade e a idealização. Nesses casos, a relação tem poucas chances de sobreviver. Um se sente traído pelo outro e brotam sentimentos como raiva e ódio. O desencanto aparece e mina o relacionamento.
É inevitável que venha a pergunta: "Faz sentido continuar?". Perceber que, ao seu lado, existe simplesmente uma pessoa - nem príncipe nem sapo - pode ser o primeiro passo para chegar perto da resposta. Mas a relação vai depender do grau de maturidade dos dois. A insegurança, por exemplo, nos leva a nunca ceder nem a ampliar a visão para incluir a do parceiro. Muitas vezes a terapia de casal é a solução para desatar os nós. Ou, num trabalho individual, é possível detectar os pontos que dificultam o relacionamento. É a hora de descobrir novos aspectos no parceiro e desenvolver a relação, que não vem pronta e tem de ser construída.
Quem se dispõe à terapia de casal deve se armar de muita disposição e coragem, pois o processo envolve investimento de tempo, abertura para negociar, ceder, discutir, ouvir. A partir da "nova convivência" é que a vida a dois terá bases um pouco mais reais. Quando a relação é meramente burocrática, o casal tem uma vida absolutamente superficial. Cuida da casa e dos filhos, mas não consegue cuidar do relacionamento. Tenha em mente que a vida a dois não é um mar de rosas, porém pode ser bem mais confortável quando existe diálogo, troca afetiva e confiança mútua.
* dra. Magdalena Ramos é terapeuta de casal e família, coordenadora do Núcleo de Casal e Família da PUC-SP, autora de diversos livros, entre eles E Agora, o que Fazer? A difícil arte de criar os filhos, em co-autoria com Leonardo Posternak, Agora Editora.
Outros livros da autora:
Casa e Família como Paciente - Editora Escuta
Introdução à Terapia Familiar - Editora Ática
Terapia de Casal e Família (organização) - Editora Brasiliense
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